02/02/2018 00:22:24
Justiça
Juiz concede direito de menor ter nome de duas mães em certidão de nascimento
Menor foi criada pela tia, mas nunca perdeu o vínculo com a mãe biológica; decisão é do juiz José Miranda Santos Júnior da 1ª Vara de Palmeira dos Índios
AssessoriaJuiz concede direito de menor ter nome de duas mães em certidão de nascimento
Todo SegundoDa Assessoria

Kívia Manuelle Marques, de 15 anos, foi criada por sua tia, Maria José Marques Leite, desde o seu terceiro dia de vida, nutrindo por ela um sentimento de mãe e filha. Mesmo morando longe, a adolescente também tem grande afeto por sua mãe biológica, Tereza Maria Marques. Por isso, em novembro de 2017, o juiz José Miranda Santos Júnior, da 1ª Vara de Palmeira dos Índios, concedeu à menor o direito de possuir em seu registro de nascimento o nome das duas mães.

Moradora do povoado Lagoa do Caldeirão, da cidade de Palmeira dos Índios, Kívia também considera suas primas como irmãs, e o falecido esposo da tia, como seu pai. Para ela, é importante ter os dois nomes em sua certidão. “Vai ser bom, porque eu sempre quis [ter os nomes no registro de nascimento] sempre me deu vontade […] A minha mãe biológica chega aqui, pede a benção e eu dou”, contou a menina.

Dona Maria José ainda fala que nunca houve distinção entre as filhas biológicas e a afetiva. “O amor é o mesmo com o que eu tenho com as minhas duas filhas, se eu dou ordem nas minhas filhas, eu dou ordem nela também[...] Eu a amo. Quero que me maltratem, mas não maltratem ela”, disse a mãe afetiva que contou que a adoção também era um desejo de seu esposo.

De acordo com o juiz José Miranda, a decisão segue um pedido da adolescente, que ao ser ouvida durante uma audiência, mostrou seu desejo de ter as duas mães em sua certidão. Na decisão, o magistrado concedeu o poder de guarda à mãe afetiva, mas enfatiza que a mãe biológica possui o livre direito de visitas a menina.

“Ela [a menor] falou que convive com a mãe biológica, que ela a trata bem, então a mãe biológica simplesmente respeita o espaço e tem uma posição secundária, porque quem criou automaticamente tem um poder maior, mas o caso é que essa mulher continua tendo uma certa influência, uma participação. Então, por que tirar?”, fundamentou o juiz.

Para o magistrado, em casos envolvendo menores de idade é necessário analisar o que vai ser melhor para eles e seguir o que diz a legislação a respeito disso. “Como juiz da infância, os princípios da Infância e Juventude, do ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] é a proteção integral e o melhor interesse da criança e do adolescente. Então, você decide o que é melhor para o menor, e não o que é melhor para a sociedade como um todo ou o que pensam terceiros”, explicou.

Multiparentalidade

A defensora pública Bruna Pais, responsável pelo caso, conta que não há um regramento específico para a multiparentalidade, mas as decisões têm se baseado nos precedentes, que visam trazer respostas para essas situações. “Nós sabemos que o Direito não pode fechar os olhos às situações que acontecem e que mudam diuturnamente. Vivemos numa sociedade que é dinâmica e temos, de fato, que responder aos anseios da sociedade que nos procura”, ressaltou a defensora.

O juiz José Miranda explicou que não há uma decadência do instituto familiar e sim uma evolução, com a possibilidade de muitas pessoas formarem sua família fora dos padrões que a sociedade tenta impor.

“Todos têm o direito de não gostar e de não fazer determinadas coisas, mas não pode de forma nenhuma querer impedir que os outros sejam felizes e vivam a vida como querem. O que interfere na vida alheia a escolha dos outros? Nada. Cada um tem o direito de ser feliz, desde que não interfira na vida de um terceiro. Devemos aplicar os princípios da dignidade humana, da liberdade, do respeito à diferença, do pluralismo familiar, da proibição do retrocesso social e da proteção integral dos menores”, reforçou José Miranda na decisão.

O magistrado acrescentou ainda que as decisões tomadas em tribunais superiores como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) auxiliam na disseminação desse tipo de decisão em todo o país.

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